compro ouro (2019)

COMPRO OURO

2019. Intervenção em espaço público. Coletes, carvão, urucum, cantos xavantes e amplificadores.
Projeto comissionado para o Programa Múltiplo Ancestral, Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo.

Ao longo de duas horas, sob uma paisagem sonora de cantos da tradição xavante, a equipe de arte-educadores do Centro Cultural Banco do Brasil realizou uma intervenção espacial na calçada pública em frente ao prédio centenário da instituição. Vestidos com o colete “Compro Ouro”, os mediadores demarcaram no chão o símbolo guaraní para o Cruzeiro do Sul com o uso intensivo de carvão; a seguir, a inscrição à carvão foi lentamente coberta com pó de urucum vermelho com apoio espontâneo e ritual do público transeunte; como finalização do ato, os cantos xavantes foram progressivamente silenciados para dar lugar à equipe uniformizada de limpeza do CCBB, que realizou a coleta dos resíduos e o encerramento da ação sob os olhares do público.

Excertos de cantos da tradição Xavante Etenhiritipá que compuseram a paisagem sonora de “Compro Ouro”:

> Dú nhõre
Röwaho daprába
Howahou Dazarõnõ

Sobre o projeto

Partindo de um estudo sobre a formação da cidade de São Paulo, identificada por uma consistente política de apagamento de memória, COMPRO OURO propõe uma experiência sensível com os diversos públicos que frequentam a região do centro de São Paulo.

O CCBB-SP está localizado no núcleo do centro histórico delimitado pelas ruas Direita, Quinze de Novembro e São Bento, em torno da qual a cidade foi fundada e expandida com a participação compulsória e decisiva das populações nativas anteriores à colonização. Ao visitar, entretanto, equipamentos históricos e culturais da região central, não há indícios desse legado indígena que determina nossa identidade (língua, modos e costumes) ou, notadamente, sobre as condições em que esse processo ocorreu. É também de se notar a ausência de referências indígenas em nomes de logradouros, edifícios ou monumentos na região, em visível contraste com homenagens a políticos, religiosos e bandeirantes.

Faz parte da paisagem atual da região, a presença de trabalhadores informais conhecidos como “homens-placa”. O uso de placas para propaganda foi proibido há alguns anos pela lei municipal “cidade-limpa”. No lugar de placas, esses trabalhadores hoje vestem coletes de tecido com frases como “compra-se ouro” e são remunerados pelas horas que permanecem exercendo a função ou, com sorte, conduzindo potenciais clientes a seus remuneradores. São personagens que identificamos facilmente no meio da multidão por sua visibilidade ostensiva e ao mesmo tempo discreta, aparentemente destituída de algo.

COMPRO OURO propõe um embaralhamento entre duas referências aparentemente incompatíveis que se relacionam com o centro histórico de São Paulo: o apagamento indígena e a visibilidade do “homem-placa”.

A proposta é compartilhar uma experiência de estranhamento aberta e horizontal com o público geral, sem explicações prévias ou direcionamentos de leitura, de modo que cada espectador possa criar e estabelecer (ou não) suas próprias relações com a intervenção a partir de seus saberes de mundo e de sua vivência pessoal com a região do centro histórico de São Paulo.