ecologias do olhar (2008)

por Juliana Monachesi

Sobre a exposição Éter, apresentada em novembro de 2008 na Galeria Marcelo Guarnieri, Ribeirão Preto.

Sedação e escapismo configuram grande parte dos processos internos da subjetividade contemporânea, vitimada nas últimas décadas por um empobrecimento de vida interior. Não por acaso se fala de três ecologias em curso na atualidade: a ambiental, que tenta fazer frente à devastação da natureza; a social, em embate com a degradação do ambiente urbano; e a mental, que busca reconciliar uma esfera subjetiva –dizimada pela sutil (e violenta) substituição da idéia de “sujeito” pela de “consumidor”– com alguma espécie de complexidade possível nas experiências de mundo, vida e arte.

Uma tal plataforma esquizopolítica, a que Félix Guattari dá o nome de “ecosofia”, está em plena realização no conjunto de pinturas da exposição “Éter” de Alice Shintani na galeria Marcelo Guarnieri. As imagens construídas pela artista refletem um contexto de incerteza e fragilidade coletivas de idéias e posturas em relação ao mundo da arte e à vida. As pinturas de Alice espelham também (ainda que pelo avesso) uma paisagem virtual que tende a nos envolver acriticamente no universo superpovoado de imagens, vídeos e textos da internet. Este fluxo avassalador de informação é tratado pela artista de maneira crítica na medida em que, do espaço virtual, ela faz virtualidades espaciais chapadas, em tons rebaixados, enquadramentos ambíguos e discurso não-assertivo.

Aqui, o visitante se vê diante de afirmações provisórias e sempre cambiantes em uma pesquisa que se sustenta na incerteza e no conflito, para os quais não há no horizonte quaisquer soluções visíveis. Honesta ao extremo, com pitadas de cinismo, a obra de Alice Shintani advoga para o artista o único lugar que um criador dotado de integridade pode ocupar nos tempos de hoje: o lugar da dúvida, da crise, do vazio e da reflexão transformadora, em nome de uma ecologia do olhar e da esfera sensível para insuflar vida interior em nós, observadores anestesiados.

– Juliana Monachesi, novembro de 2008.

"lindoya", 2008. tinta de parede e pigmentos sobre sobre lona.