Alice Shintani apresenta um verdadeiro estudo sobre as relações entre cor e desenho. Os quadros são formados por grandes regiões de cor. A divisão entre as cores não é uma linha desenhada com a mão, mas uma linha desenhada pelas cores, ao mesmo tempo ínfima e definitiva, sutil e decisiva.
A escala dos quadros não é sobre-humana nem diminuta, corresponde exatamente ao campo visual do espectador. Uma vez que as regiões de cor livremente se tocam, sem ser separadas por contornos, parecem flutuar pelo espaço, como as ninféias de Monet. Mas as ninféias flutuavam pelo rio. Embora a imagem se diluísse nas tintas impressionistas, ainda é do suave deslizar da forma sobre o fundo que se tratava. Os quadros de Alice Shintani são ninféias sem rios, ou rios de ninféias. Por isso temos a impressão de estar diante de algo muito maior do que aquilo que estamos vendo.
Quando essa espécie de enquadramento enfoca representações figurativas da realidade, como as ninféias, ou bailarinas de Degas, não há dúvida quanto ao que seria o prolongamento do espaço. Quando se trata de formas geométricas, como em Mondrian, por exemplo, pode-se dizer o mesmo: não há mistério sobre aquilo que não se pode ver. A estratégia de Alice Shintani é suspender o juízo quanto a quaisquer afirmações que se pudesse fazer sobre aquilo que não se vê, mais ou menos como o que em filosofia se chama de atitude cética.
Por conseqüência desse ceticismo estético, as relações entre as formas são permeáveis e permissivas: se uma enorme região azulada domina quase toda a superfície e espreme para os cantos as regiões rósea e ocre, isto não significa necessariamente que a azulada seja preponderante. Pelo contrário, ela pode ser vista como uma zona anódina ao lado de outras mais palpáveis. O domínio “territorial” da tela não corresponde à preponderância visual. O desenho entre as cores, que dá forma a essas regiões, pode passar a impressão de que as cores que ocupam espaços menores, em geral mais vivas, representariam regiões maiores no prolongamento imaginário do espaço. Aquilo que não se pode ver então talvez seja muito maior do que aquilo que se vê.
Com isso a experiência pictórica adquire um caráter ilusório, mas não ilusionista. O ilusionismo, nesses termos, seria uma promessa de harmonia, como a Dança de Matisse. As relações propostas por Alice Shintani estão aquém da harmonia e da dissonância. Limitam-se a certa indiferença, daí a ausência de contornos nítidos em torno das formas grandiosas. As cores de Matisse harmonizavam a forma humana, corpórea e orgânica, com os elementos arquetípicos da terra e do céu. As formas de Alice imitam grandiosos elementos mas suas relações sutis demonstram que são vazias como bolhas de sabão.
O uso da tinta de parede em lugar dos pigmentos tradicionais contribui para essa impressão de imaterialidade sem a qual a pintura de Alice Shintani tentaria definir as formas e impor alguma ordem às coisas, como os grandes mestres modernistas. Essas formas e cores não prometem nada, não diferem materialmente da tinta que colore as paredes sobre as quais estão penduradas, mas paredes pintadas são sólidas realidades sobre as quais não paira sombra de dúvida. Pinturas duvidam de si mesmas.
– José Bento Ferreira, março de 2007.